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sexta-feira, 1 de setembro de 2023

O POETA DANTE ALIGUIERI E SUA OBRA

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       Dante Alighieri é considerado o mais genial poeta da Itália. Era natural de Florença, onde nasceu em 1265. Representou nessa cidade um  papel importante e foi, por diversas vezes, investido de missões diplomáticas.

          Adversário dos gibelinos (nome dado nos estados italianos da idade média aos partidários dos imperadores da Alemanha nas lutas por estes sustentadas contra os papas, cujo partidários eram chamados guelfos) foi por isso exilado e residiu por muitos anos em Paris. Regressou a Itália, dixou-se durante algum tempo em Verona e depois em Roma, onde morreu em 1321. Compôs, ainda muito jovem, sonetos amorosos e canzoni onde celebrava a sua paixão platônica e mística pela formosa Beatriz Portinari, que conheceu desde criança. Casou-se com Gemma Donati, de quem teve três filhos, um dos quais, Jacobo, o mais velho, foi o protagonista do episódio psíquico que iremos narrar.  Em honra a Beatriz, filha de Folco Portinari, compôs a Vita Nuova, mas sua obra-prima mais célebre é a Divina Comédia que lhe garantiu,na posteridade, o título de "pai da poesia italiana". A Divina Comédia é um poema épico, composto entre os anos 1300 e 1318. Este poema, uma das mais altas concepções do espírito humano, está dividido em três partes: o Inferno, o Purgatório e o Paraíso, abarcando toda a cultura e o conhecimento.

           Para s espiritualistas, a superioridade de o Inferno e de  o Purgatório , sobre o Paraíso, se deveu ao fato de as antenas psíquicas do autor detectarem mais poderosamente  essas duas regiões, ao passo que, ao franquear a terceira , o seu estro sofreu ligeira impotência entre os portais tão dificilmente franqueáveis. De qualquer forma, o poeta, guiado pelos espíritos de Virgílio e depois pelo de Beatriz, visitou as regiões  mencionadas.  Totalizando, trata-se de uma concepção literária sublime e grandiosa, semeada de episódios ora graciosos, ora terríveis, em geral admirável como estilo e versificação. É também uma visão épica do outro mundo, na qual é criada a poesia e até a linguagem literária italiana.  Dante escreveu outras obras: Rimas; Vida Nova; Convívio; De Vulgaris Eloquêntia; Epístolas; Questio de Aqua et Terra, etc. Entretanto a Divina Comédia, obra-prima, estaria em parte perdida não fosse um sonho com todas as características do paranormal. Dante morreu em 1321. Constatou-se, então, que 13 cantos, os últimos, de sua imortal Comédia tinham desaparecido. Foram procurados durante oito meses e já se renunciava à esperança de os encontrar quando Jacobo viu em sonho o pai, Vestido de Branco. Perguntou-lhe se ainda vivia. - Sim - respondeu-lhe o poeta -  mas a verdadeira vida, não a vossa. O filho indagou-lhe a respeito dos 13 cantos que faltavam e teve a impressão de que seu pai o conduzia ao quarto onde tinha por hábito dormir. Tocando um certo lugar na parede, lhe disse: Aqui se encontram os versos que vindes procurando com tanto empenho.  Jacobo despertou e correu à casa de Pietro Giardino, amigo do poeta. Contou-lhe o sonho e decidiram ir imediatamente à antiga residência do poeta. No local indicado, arrancaram da parede um remendo de esteira de palha e descobriram um nicho contendo um rodo de papeis. Entre outros escritos ali estavam os 13 cantos finais da obra. O escritor Boccaccio, contemporâneo de Dante, ouviu o incidente dos lábios do próprio  Pietro  Giardino, testemunha ocular do ocorrido depois do que Boccaccio incluiu o episódio em sua obra "A Vida de Dante Alighieri". Através dos anos uma pergunta tem estado no ar. Por que motivo Dante teria ocultado esses cantos descrevendo o Paraíso? Teriam razão os espiritualistas? O autor consciente de sua incapacidade  em descrever uma região cujas visões suas antenas psíquicas não alcançavam e que ele tão pouco conseguia "rememorar valendo-se de recordações de outras vidas em que teria franqueado as fronteiras dos cumes? 

           Inegavelmente, tudo isso é uma eterna dúvida. 

Nicéas Romeo Zanchett 

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

BEATRIZ E DANTE - Por dante Alighieri

A treva que sucede à luz do dia, 
Pondo trégua ao lidar, doce descanso
Aos laços membros, plácida trazia.
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Eu somente a afrontar então me avanço
A luta do caminho, e dó profundo,
Que a pintar, com verdade, me abalanço. 
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Musas, e engenho altívolo e fecundo, 
Me ajudai! O que eu vi guardaste, ó mente, 
Quanto vales, aqui se amostre ao mundo. 
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Vate, guia a meus passos complacente, 
Disse eu então, vigor terei bastante, 
Para que empresa tal, ousado, tente? 
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Tu dizes que ao de Sylvio avô prestante, 
Inda em corpo mortal, descer foi dado
Das almas juntas à mansão brilhante. 
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Mas de favor tão raro, e assinalado,
Causa possa antever no grã destino, 
Que o céu em prol dos seus tinha  guardado.
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 Ele d'ata mercê não foi indigno.
Pois que a Roma lançasse o fundamento
Era decreto do poder divino. 
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E Rom havia, superno intento, 
Metrópole de ser, onde tivesse 
O sucessor de Pedro o augusto assento.
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Por ti com jus tal ida se engrandece, 
Que em parte causa foi da grã vitória,
Pela qual reinou Roma, e inda floresce. 

Do vaso d'Eleição nos é notória
A ida com que a fé nos corrobora, 
Princípio à senda da celeste glória.
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A mim quem graça tal concede agora? 
Paulo acaso sou eu? Acaso Enéas?
Veio o nada que sou; ninguém o ignora. 
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Vencendo o susto que me agita as veias, 
Talvez o arrojo meu seja punido, 
Melhor meus embaraços desenleias. 
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E como quem, perplexo, e combatido, 
Já desquer o que quis; de novo pensa, 
Nem comete o que tinha resolvido,
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Da espessura assim eu na sombra densa, 
Pensando, desisti da altiva empresa, 
Que antes tentara com vontade intensa.
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Se teus ditos entendo com certeza, 
Disse do vale exímio a sombra augusta.
Do covarde temor tua alma é preza. 
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O temor aos mortais bem caro custa, 
Quando de nobre empresa os dissuade, 
Com vã sombra que o ginete assusta. 
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Porque fútil temor te não degrade, 
Dir-te-ei porque venho, e o que hei ouvido, 
Mal que do estado teu tive piedade. 
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Fui chamado no limbo, onde resido, 
Por senhora celeste, e mui formosa, 
A cujo mando me mostrei rendido. 
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Era a luz dos seus olhos Radiosa
Qual estrela o fulgor; tal voz dimana,
Angelical da Boca formosa;
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"Ó alma nobre, e meiga, Mantuana, 
Cuja fama imortal no mundo dura, 
Durará quanto dure a raça humana, 
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O amigo meu fiel, não da ventura, 
Na agreste solidão se acha impedido, 
E atrás, por vão terror, volver procura. 
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Hei medo, em risco tal, de ver perdido
Se tarde chego já para salvá-lo. 
Segundo o que no céu foi referido. 
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Tu lhe vigora o peito em seu abalo,
Com teu suave elóquio, ornado e belo; 
Será conforto meu poder salvá-lo. 
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Sou Beatriz; seu bem procuro, e zelo,
A valer-lhe em seu mal amor me excita; 
De sítio vim, onde voltar anhelo. 
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Lá na eterna mansão, de deus bendita, 
Perante Ele por mim serás louvado."
Volvo-lhe, alegre por tamanha dita; 
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Senhora, em quem reluz raio sagrado
De virtude, que os bens do mundo inteiro
Sobre-revela, em grau avantajado;
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Obedecer-te, apraz-me, e tão ligeiro, 
Que já qualquer tardança me dá pena; 
O que desejas sei, nem mais requeiro.
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Mas dize; da mansão vasta, e serena,
A que a elas voltar, não receaste
Descer ao centro da mansão terrena?
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Tornou-me; A tal pergunta, (e tanto baste)
Em resposta direi, singela e breve, 
Porque nada me enoja este contraste; 
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Aquilo, e nada mais, temer-se deve
Que de danar tem força; o que não dana, 
Só dá susto a quem é covarde, ou leve. 
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Agora a mim, por graça soberana, 
Não causa mal o incêndio mais ativo, 
Nem sorte alguma de miséria humana,
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Gentil dama há no céu, que o dó mais vivo
Tem trance em que se acha essa infelice, 
E quer à sua dor dar lenitivo. 
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A Lucia, em seu prol, cuidosa, disse: 
Com pronto auxílio acode ao teu amante; 
Talvez em risco igual se nunca visse. 
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Lucia, a quem fereza é repugnante, 
Ergueu-se, e ao lugar veio, onde eu sentada
Estava, de Rachel pouco distante,
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Beatriz, exclamou, de Deus amada, 
Parecer deixarás quem te amou tanto, 
Que por ti deixar quis do vulgo a estrada? 
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Não tens piedade do seu triste pranto? 
Não vez que o sorve rápida torrente, 
Que mais que o mar iroso incute espanto? 
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Ninguém jamais correu tão velozmente, 
Em seu prol, ou fugindo atroz perigo, 
Como eu, tendo isto ouvido, em continente, 
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Deixando o escano meu, vim ter contigo, 
Fiada em teu elóquio honesto e brando,
Que te honra, e a quem o escuta atento e amigo. 
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A mim volveu, tais ditos terminando, 
Os seus olhos que o pranto umedecia, 
E de assim mór força ao doce mando. 
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Sei desejo cumpri com alegria, 
E fiz que se arredasse aquela fera, 
Que de subir o outeiro te impedia. 
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Que terror da tua alma se apodera? 
Porque aninhas no peito um tal receio? 
Porque o vigor não tens que à mente impera?
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Três matronas no céu (seguro esteio)
Em teu favor se mostram develadas, 
E eu te livro do susto inerte e feio. 
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Quais as florinhas em botão, curvadas
Pelo gelo da noite, erguem-se fogo
Que o sol as vem dourar, desabrochadas; 
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Tal eu cobro vigor, o medo afogo,
Após o frio susto e desalento, 
E falo assim, com pleno desafogo;
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Ela que teve dó do meu tormento, 
E tu que assim cumpriste o seu mandado,
Bem hajais, que vos devo alto portento; 

Tu em mim tens de novo suscitado, 
Com tua voz facunda, o grã desenho, 
Que havia em minha mente antes formado. 
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Vai. - É d'ambos agora igual o empenho: 
Tu meu guia serás, senhor, e mestre.
Disse. O passo tomou - não me detenho, 
E o caminho cometo, áspero e silvestre. 
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domingo, 22 de outubro de 2017

A CASA DE DANTE - Por Souza Bandeira

                Em uma pequena rua de Florença, a Via Dante, prolongamento da Via Tavolini, a dois passos do belíssimo Or S. Michele, em cujas dependências funciona a Sociedade Dante Alighieri, na mesma sala onde Bocácio dava explicações públicas da Divina Comédia, depara-se ao forasteiro uma modesta casa, sobre cuja porta lê-se uma simples inscrição, em placa de mármore, anunciando ter ali nascido e vivido o divino poeta. 
                 Nenhum preparo anterior sugere ao espírito ideia especial sobre a casa, à qual os guias de viagem concedem, a custo, duas ou três linhas. Na cidade onde os cicerones agridem literalmente os viajantes para lhes mostrar os tesouros de arte e as curiosidades, nenhum se propõe levar alguém à casa de dante. É, pois, como de surpresa que, trêmulo de comoção, o estrangeiro sobre a escada da casa que encontrou ao dobrar de uma esquina. 
                 Dentro, nada de extraordinário. Uma pequena sala com duas janelas sobre a rua, e uma alcova, são os dois únicos aposentos franqueados ao público. Na alcova, onde se diz que nasceu o poeta, nada. Paredes nuas e enegrecidas pelo tempo. Nem um móvel sobre o soalho quase preto. Na sala, a cadeira em que Dante se sentava; uma máscara de gesso com os seus indeléveis traços; um busto de Beatriz; num quadro, o original de uma bela carta de Gladstone, escrita em italiano; e uma pequena estante contendo volumes, que não chegam nem à centésima parte da bibliografia dantesca. 
               Sobre uma pequena mesa, um livro coberto de assinaturas de gente de todas as partes do mundo. Eis tudo. 
                No tocante à autenticidade da casa, não há mesmo certeza absoluta. Por ilações e hipóteses chegou-se a conclusão de que ali devia ter sido a casa de Dante, atenta a vizinhança em que estava da Badia a que ele se refere uma vez, e do Bargelo, cuja torre ele dizia avistar da sua janela. 
               Os arqueólogos e os dantólogos, duas espécies de eruditos que abundam na Itália, ainda hoje discutem sobre a verdadeira casa de Dante.
                Não tem o museu a organização de outras casas de grandes homens, como a de Carlyle em Londres, a de Victor Hugo em paris, a de Voltaire em Ferney, a de Goethe em Frankfurt.
                 Por mais pobre que seja, porém, o Museu Dantesco, é a sua própria simplicidade que comove. Que importam as dúvidas porventura existentes sobre os objetos ali expostos ou sobre a própria situação da casa? Basta considerar que uma convenção estabeleceu ter sido ali a casa do grande poeta, consagrando-se assim um como templo, destinado a esta peregrinação, que de todo o mundo se faz, para venerar a memória do maior gênio poético de todos os tempos. 
                Saindo-se, porém, a passeio por aquela luminosa Florença, bem se compreende que toda a cidade, com os seus monumentos, as suas igrejas, as suas ruas pitorescas, a sua interessante população, os seus arredores, o seu ambiente perfumado, é um vasto museu, que por todos os modos nos enche o espírito de recordações do grande florentino, cuja obra, irradiando através dos séculos pelo mundo inteiro, enche as gerações de delicioso assombro e fixa no espírito imagens imortais, traduzidas numa das mais nobres linguagens jamais saídas do engenho humano. 
                  Ao se defrontarem os majestosos palácios, construídos na severa e graciosa arquitetura florentina, pensa-se nas famílias que os habitaram, e das quais fala o imorredouro poema. Placas comemorativas repetem a cada passo tercetos da Comédia, lembrando episódios ali acontecidos a que se referiu Dante, ou nomes de famílias enumeradas no poema. Que não há maior pedrão de nobreza para uma família toscana, do que poder escrever embaixo do brasão um versículo de dante, em que ela seja nomeada.  
                 Ao se admirar a belíssima catedral de Santa Maria del Fiore, não longe da pedra de Dante,pensa-se no formoso Batistério que lhe fica fronteiro, a ele chamava il mio bel San Giovanni. 
                    Quando se contempla em Santa Croce os belos afrescos da de Giotto, nos vem ao espírito os versos com que Dante saudou o gênio do amigo, que então se começava a revelar ao mundo da arte: 
Crdete Cimabue nela pintura
Tener lo campo, ed ora ha Giotto grido, 
Si che la fama di colui oscura.

Nesta mesma igreja de Santa Croce, que é o Panteon dos florentinos, vê-se o monumento de Dante, onde, aliás, não repousam os seus ossos, e no meio da praça a sua estátua, para a qual Leopardi escreveu a ode que assim termina: 
In sempiterni guai
Pianga tua stirpe a tutto il mondo oscura. 
   
               Ao se ver a solerte e enérgica fisionomia de Nicolo de Usagno, imortalizada por Donatello, ou os magníficos condottieri de Giovanni de Bolonha, ou as figuras dos Médicis, de Miguel Ângelo, pensa-se nos heróicos bandidos das guerras civis, que devastaram a Toscana, arriscando a vidacom cavalheiresco desprendimento, ao passo que pilhavam com o mais baixo cinismo, dos quais disse o poeta, referindo-se ao Arno: 
... quanto ella piú ingrossa
Tanto piú di can farsi lupi
La maledeta e sventurada fossa... 
                    As mulheres, ricamente vestidas à moda do tempo, que figuram nos afrescos de Ghirlandajo, Gozzoli, Luini, ou outros pintores muito  posteriores a Dante, fazem todas pensar nas inventivas deste, pedindo que se proibisse: 
Alle sfacciate donne fiorentine
L'andar mostrando com le poppe il petto. 

                 Porque a alma artística do grande fiorentino paira eterna sobre a cidade, mantendo um ambiente de poesia, que inspira os artistas vindouros, facilita a compreensão das obras de arte, e perpetua na raça os caracteres firmes da italianidade, que em nenhuma região da península, nem mesmo em Roma, é atingida como em Florença. 
                Quem não dirá, vendo os paraísos de Fra Angelico, sobre fundo resplandescente de ouro, com as suas espirituais madonas, com os seus alvinitentes anjos de asas douradas, em fúlgidas teorias, que o frade genial inspirou-se Cândida Rosa, que é o empíreo do dante, povoado de serafins, assim descritos: 
L'ali d'oro, e l'altro tanto bianco
Che nulla neve a quel termine arriva.
Quando scendean nel flor, di namco in banco,
Porgevan della pace e dell ardore. 


                  E as estáticas madonas de Biticelli, e os lívidos Cristos de Fra Bartolomeu, e os sonhos atormentados de Miguel Ângelo, passam pelos olhos num sopro divino de fantasia, enchendo a alma de lirismo e de terror, como se o espírito do Grande Cantor do Além Tumulo despertasse do sono eterno e emprestasse vida real àquelas obras primas. 
                   Quando se sobe a colina que domina a cidade, galgando aquela mesma ladeira de S. Miniato, cuja aspereza o Dante descreveu, e do alto do Piazzele Miguel Ângelo, têm-se aos pés toda Florença e os seus arredores, pensa-se na geração de dante, e nas que lhe sucederam, nas famílias que lutaram pelo domínio supremo, tingindo de sangue o lírio que é o brasão da cidade, e na velha Fiesole, o berço etrusco da raça, escondida nos Apeninos de onde veio: 
Quell' ingrato popolo malígno, 
Che discese di Fiesole al' antico
E tiene ancora del monte e del macigno

                   Ao longe, pelo extenso vale de Arno, perdidas na bruma do horizonte, Pistóia e Piza, as cidades rivais, cobertas de imprecações pelo glorioso poeta. 
                  E, além, somente visível à imaginação, ao norte e ao sul, toda a Itália, dos imperadores e dos papas, teatro de pequenas disputas, campo de lutas incessantes, que inspirou ao poeta as suas dolorosas estrofes: 
Ahi serva Itália, di dolore ostello,
Nave senza nocchiero in gran tempesta, 
Non donna di provincie ma bordello. 

                Passaram as lutas, desapareceram as causas das pequenas rivalidade. A Itália, cumprindo o seu glorioso destino histórico, está hoje unificada e marchando para um fim comum. E agora, mais que nunca, resplende a glória do grande gênio, verdadeiro hiato luminoso entre a treva medieval e o alvorecer dos tempos modernos, que penetrado do puro sentimento italiano, deplorava a divisão de sua pátria e anelava o futuro que hoje é presente.  
                  É por isso que das alturas de S. Miniato, à hora misteriosa do crepúsculo, em que as sombras do passado avassalam o espírito, a quem contempla Florença, radiante na reverberação do sol poente, parece ver passar ao longe do Arno a melancólica figura do Dante, arrastando o seu manto sombrio, voltada para a cidade natal a sua face pálida e pensativa. 
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BIOGRAFIA DE SOUZA BANDEIRA
João Carneiro de Souza Bandeira, escritor brasileiro, nasceu em Recife em 1865. Jornalista, advogado e professor de direito no Rio de Janeiro. Como discípulo de Tobias Barreto deixou-se influenciar pelas tendências germanistas. Além doutros estudos jurídicos e sociais publicou Estudos e Ensaios, 1904; Reformas, 1909; Peregrinações, 1910. Pertenceu á Academia Brasileira de Letras.
Este artigo belíssimo é parte da sua obra Peregrinações. 
Nicéas Romeo Zanchett 

FRANCISCA DE RIMINI - Por Dante Alighieri

- Sendo, poeta, coisa que me atreva, 
Chamava aqueles dois que além se avistam 
Leves parece como o ar que os leva. 
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Chama-os, que podes; vê quanto eles distam
E falando-lhes tu de um modo terno 
Virão logo que os ventos não resistam.
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Lançando-os perto os furacões do inferno; 
- Falai-me, (brado) oh almas desgraçadas, 
Se não se vos impôs silêncio eterno. 
Duas pombas que o amor sustem ligadas
Não batem mais iguais em voo tão certo
Para o seu ninho as asas compassadas; 
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Não voam mais sutis em céu aberto, 
Que eles da turma onde andava Dido 
Desceram a falar-me de mais perto;
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- Ah, benigno mortal, mortal querido!
Que através desta impura tempestade, 
Visita o crime... coração condoído!
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Se fosse nossa amiga a Divindade
Pedira-lhe que em prêmio a glória santa 
Desse a quem tem de nós tanta piedade! 
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Nós te diremos o que que ouvir te encanta; 
Nós te ouviremos o que a dor te inspira
Enquanto o vento ao ar não nos levanta. 
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A terra onde nasci, por quem suspira
Inda a minha alma, junto ao mar se estende
Nas praias onde o pó descansa e expira. 
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Em peito juvenil fácil acende
Amor a formosura..., mas, que digo? 
Se o que Paulo me faz inda me ofende, 
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De nosso amigo, amor nos faz amigo; 
E amiga tal me fez de quem me abraça, 
Que ainda como vês anda comigo. 
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Um dia, assim unidos, nos trespassa
Ferro de ímpio caim... mão fratricida...
E na garganta a voz se lhe embaraça. 
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E eu inclinando a face humedecida
Largo tempo cismei."Que te amargura?
Diz-me o Poeta em voz estremecida. 
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- Lindos sonhos de pérfida ternura!
Que inefável amor, que íntimo encanto
Se lhes não desfaz todo em desventura! 
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Ah! dize-me Francisca! se este pranto
(pudesse ele adoçar-vos o martírio)
Nasce d'afeto puro, íntimo e santo;
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E como foi? em súbito delírio...
Que amor vos suscitou no peito amante
Desejos que ignora um casto lírio? 
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- S há desgosto maior, mais penetrante
Que contar na desgraça a vida antiga, 
Diga o teu guia, que não está distante. 
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Mas, pois da história triste que nos liga
Te é grato não ter dúvida nenhuma, 
Que pode haver que eu saiba e te não diga? 
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Liamos as passagens de uma em uma
Do amor de Lancelloto namorado, 
Ambos sozinhos sem suspeita alguma. 
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E já mais de uma vez tinha encontrado
Meus olhos nos de Paulo; e a cor perdido, 
Sem chegarmos ao ponto desgraçado. 
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Alcança o amane o beijo apetecido; 
Colhe-o; e nisto Paulo, ansiado e doido,
Paulo, que sempre a mim trarei unido,
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Beija-me a boca, trêmulo de modo
Que nos caiu das mãos no chão o escrito; 
E nós lemos mais no dia todo.
Põe-se a chorar do que me havia dito; 
E ele gemia tanto, que eu absorto 
Pálido, horrorizado, incerto, aflito, 
Caí, tal como cai um corpo morto. 


A ENTRADA DO INFERNO - Por Dante Alighuieri

Por mim se vai na cidade gemente, 
Por mim se vai na sempiterna dor, 
Por mim se vai entre a perdida gente.
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Moveu justiça ao meu alto feitor; 
Fizeram-me a divina potestade, 
A suma sapiência, o primo Amor, 
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Antes de mim, se não da eternidade, 
Coisa se não criou, e eterna eu duro; 
Toda esperança vós que entrais deixade. 
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Palavras tais de um colorido escuro
Escritas vi no alto de uma porta, 
E disse: Mestre, o seu sentido é duro; 
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Como sagaz pessoa este me exorta; 
Todo temor há-de aqui ser proscrito, 
Toda a vileza aqui deve estar morta. 
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Chegamos ao lugar em que te hei dito
Que tu verás as almas dolorosas
Que perderam o bem, que da alma é fito.
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E quando ele, com faces jubilosas, 
Me deu a mão, com meu conforto e gosto, 
Me induziu na plagas tenebrosas. 
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Ai suspiros, pranto, alto desgosto
Ressoava pela aura sem estrelas, 
E tive logo as lágrimas no rosto. 
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Diversas línguas, hórridas loquelas, 
Palavras de aflição, acentos d'ira, 
Ronquidos, gritas, som de mãos com elas, 
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Faziam um tumulto, que ali gira
Sempre nessa aura sem cessar tingida, 
Qual pó, que o vento em turbilhões revira.
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E eu, com a cabeça já aturdida,
Disse: Mestre, o que é que estou escutando?  
Que gente é esta tão da dor vencida? 
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Tornou-me ele: Este estado miserando
As tristes almas tem desses, que a vida
Sem infâmia e louvor foram passando.
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Mistas estão co'a corja fementida
De anjos, que nem fiéis, nem revotosos
Foram a Deus, consigo só metida.
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Os céus a expelem do candor ciosos, 
Nem a recebe o Báratro abismado, 
Pois disso os réus ficaram gloriosos. 
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Disse eu: Mestre, o que tanto é lhes pesado
Que os faz de um modo lamentar tão forte? 
Tornou-me: Eu t'o direi muito abreviado. 
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Estes não tem esperança de morte; 
Seu viver cego a tal desprezo é entregue, 
Que eles invejam qualquer outra sorte. 
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Não deixa o mundo a nós seu nome chegue. 
Desdenha-os a justiça e a piedade; 
Não falemos dos teus; mas olha e segue. 
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E eu, que olhei, com tal celeridade
Vi uma insignia em roda andar voando, 
Que lhe não vi de pausa faculdade; 
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E atrás lhe vinha tão comprido bando
De gente, que jamais tivera crido
Que tenta a morte andara exterminando. 
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Apos de nela alguém ter conhecido, 
Olhei, e a sombra apercebi daquele
Que a grã renúncia fez de envilecido.
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Logo entendi, e me acertei que a rele
Seita ela era dos tais a Deus esquivos, 
E a toda a gente, que inimiga é dele. 
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Tais míseros, que nunca foram vivos, 
Estavam nus, e muito aguilhoados 
Por bespas e trovões lá efetivos.
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Estes os rostos punham-lhes regados
De sangue, que a seus pés, misto com pranto, 
Colhiam feios vermes detestados. 
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E tendo olhado mais ao longe um tanto, 
Vi gente às margens de um imenso rio, 
E disse: Mestre, deixa por enquanto, 
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Que  eu delas saiba, e neste corrupio
Que razão as faz ir tão apressadas, 
Como eu diviso pelo ar sombrio. 
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E ele me disse: as coisas reveladas 
Te serão quando d'Acheronte à mesta  
Margem alto farão nossas passadas. 
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Então, com baixa e envergonhada testa, 
Calei-me até o rio receiando
Que a  minha fala fosse-lhe molesta; 
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Eis para nós chegar-se navegando
Um velho branco por antigo pelo, 
Gritando: estás perdido oníquio bando.
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O céu, maus, nunca mais esperais vê-lo; 
Eu venho-vos levar para outra banda, 
Nas trevas eternas em fogo e gelo.
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E tu, alma vivente que aqui anda, 
Safa-te dessa gente já finada; 
Mas ao ver que meu pé mais não desanda; 
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Por  outros portos, disse, e outra estrada
Passagem pedirás, não por tal via; 
Mais leve lenho que te de barcada. 
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Não te agastes Charon, disse o meu guia, 
Assim se quer onde se pode tudo
Quando se quer, e inquirições arria. 
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Sossegou o semblante cabeludo
Do arrais do escuro lago, que das suas 
Pestanas dardejavam um fogo agudo. 
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Mas essas almas já cansadas, nuas, 
De cor mudaram debatendo os dentes, 
Logo que ouviram as palavras cruas. 
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Maldiziam a Deus, a seus parentes, 
A humana espécie, o lugar e o instante
Em que nasceram, e aos seus ascendentes. 
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Todas chorando forte, elas avante
À iníqua margem se chegaram logo, 
Que espera a quem de Deus é desprezante.
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Charon demônio com olhos de fogo, 
Vai recolhendo a todos acenando,
E dá c'o remo na que toma logo.
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Como no outono vão-se despegando, 
Uma pós outra, as folhas até que o ramo
Todo o seu manto à terra vai tornando; 
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Do mesmo modo a raça má de Adamo, 
Vão-se uma a uma da praia lançando
Por acenos, qual ave por reclamo.
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Pela onda escura assim andando, 
E, antes do seu descer do outro lado, 
Ajunta-se de cá um novo bando. 
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Meu filho, disse o Mestre com bom grado, 
Todos aqui vem ter de qualquer terra, 
Quaisquer que morrem sob divino enfado.
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A não passar o rio nenhum emperra;
Que a justiça divina os aguilhoa, 
Tal que em desejo o medo se descerra.
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Nunca passa por cá uma alma boa: 
E assim, se anda de ti Charon queixoso, 
Bem podes ver o que seu dito soa. 
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Depois disso esse campo tenebroso
Tremeu tão forte que meu pensamento
 Está, do espanto, inda em suor copioso.
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Da terra lacrimosa saiu vento; 
De luz vermelha um corisco aparece, 
O qual me tira todo o sentimento, 
E caio como homem que adormece. 




CONHEÇA UM POUCO DE DANTE ALIGHIERI

              Provavelmente todos já ouviram falar do Inferno de Dante; pois ele foi o criador desta história que muito contribuiu para a literatura mundial que foi escrita no período da Renascença italiana. Ele foi o maior poeta dos italianos, nasceu em Florença em maio de 1265. Quando ainda tinha apenas 9 anos apaixonou-se perdidamente pela pequena Beatriz Portinari que acabara de completar 8 anos de vida. É esta romântica e platônica paixão que ele descreve na Vita Nuova, em 1307, e na Divina Comédia, obra que iniciou em 1300 e acabou em 1318. Beatriz casou em 1287 com Messes Simone de'Bardi e morreu poucos dias depois; Dois anos mais tarde o próprio Dante casava com Gemma Donati. Absorveu-se por completo no amor do seu país e combateu em Campaldino ao lado dos Guelfos. As suas ideias políticas foram-se gradualmente transformando, e de Guelfo e Fiorentino tornou-se "o primeiro italiano" e concebeu uma plano de organização geral para o progresso da Itália. Em 1300 foi eleito um dos priores de Florença, mas a sua casa foi destruída nos motins que precederam o estabelecimento do governo de Neri, e foi expulso em 1302. Dante teve de resignar a viver proscrito de cidade em cidade, em Verona, Pádua, no Tirol, no Friul e em Gubbio. Cansado e desapontado, adoeceu em Ravena, e ali morrendo a 14 de setembro de 1321. Além das obras escritas em italiano, escreveu também em latim um tratado da língua italiana e  De Monarchia.